domingo, 19 de outubro de 2025

COTAÇÃO DO DIA

Dólar: R$ 5,40 COMPRA Dólar: R$ 5,41 VENDA Dólar: R$ 5,67 TURISMO EURO: R$ 6,29 COMPRA EURO: R$ 6,30 VENDA EURO: R$ 6,60 TURISMO

Ad
Ad
Ad
Ad
Ad
Ad
Ad
Ad
Ad
Ad
Ad
Ad
Ad
Ad
Ad
Ad
Ad
Ad
Ad
Ad

A ruptura e a audácia do Ex-Bispo de Maura, Dom Carlos Duarte Costa – “o bispo que brigou com Roma”

Dom Carlos Duarte Costa nasceu no Rio de Janeiro em 21 de julho de 1888, numa família de bom nível social e político. Ordenado sacerdote em 1911, ele ascendeu rápido: em 1924 o papa Pio XI o nomeou bispo da diocese de Botucatu (SP).

Desde cedo, Dom Carlos mostrou-se um bispo pouco convencional — fez críticas contundentes à estrutura eclesiástica, ao clero, à relação entre Igreja e Estado, e tornou-se porta-voz de um tipo de “catolicismo com rosto social”. Em muitos aspectos, ele anteviu debates que só mais tarde viriam a lume na Igreja Católica Romana-oficial, como o questionamento do celibato obrigatório, da indissolubilidade matrimonial e do papel da mulher na Igreja.

A tensão crescente

Nos anos 30, o Brasil vivia momentos de convulsão: regime de Vargas, crise econômica, batalhas políticas. Dom Carlos alinhou-se com o sufrágio cristão ativo, com a causa dos pobres, questionou as alianças entre cura e poder, e defendeu uma Igreja mais próxima da realidade popular. Em 1936, durante sua segunda visita ad limina a Roma, consta que ele apresentou ao papa Pio XI uma lista de reformas para a Igreja no Brasil — embora, ressalte-se, nenhum registro público desta lista tenha sido encontrado até hoje. Entre as ideias atribuídas a ele estavam: permitir o casamento de padres, admitir o divórcio ou sua formalização, aumentar a participação da mulher no culto, e denunciar a rica elite clerical. Isso tudo soava radical dentro da Igreja da época.

Em 22 setembro de 1937, ele renunciou ao governo da diocese de Botucatu, sendo nomeado bispo titular de Maura — uma categoria mais simbólica. Isso permitiu-lhe manter o título episcopal, mas o peso real de sua diocese havia sido reduzido.

O rompimento formal

Em 2 de julho de 1945, foi excomungado pela Igreja Católica Romana (pelo papa Pio XII) por ato de “escisma” ou desobediência grave à doutrina e disciplina romana. Dias depois, a 6 de julho de 1945, fundou a Igreja Católica Apostólica Brasileira (ICAB). O estatuto da ICAB foi registrado legalmente no Brasil em 25 de julho de 1945.

De modo direto e sem rodeios: Dom Carlos decidiu que, se Roma não aceitava sua visão de Igreja nacional-popular, ele faria outra. A ICAB se tornou a expressão concreta dessa visão.

A ICAB e o surgimento do movimento de Igreja Nacional

A ICAB não foi apenas um “pequeno grupo dissidente”: ela inaugura o que podemos chamar de movimento de Igreja Nacional — uma proposta de Igreja autônoma, enraizada no Brasil, com menos dependência do Vaticano e mais afinidade com a realidade social, política e cultural do país.

Alguns pontos-chave desse movimento:

A ICAB rejeitou aspectos do dogma romano: por exemplo, o dogma da infalibilidade papal, e a obrigatoriedade do celibato clerical.

Defendeu uma estrutura mais nacional (menos importada), com incardinação de clero local e sensibilidade à realidade brasileira. Em palavras do artigo acadêmico “Um outro catolicismo: …” (2017) de Wagner Pires da Silva: “Na década de 1940, um bispo católico brasileiro … toma à frente dos movimentos por uma Igreja católica nacional …”

A ICAB posicionou-se legalmente como associação civil, com registro no Brasil, o que a colocou como igreja “nacional” de fato.

A fundação da ICAB abriu caminho para que outras igrejas “nacionalistas” ou independentes surgissem ou se inspirassem no modelo: clero casado, liturgia adaptada, controle local. Por exemplo, via consagrações episcopais feitas por Dom Carlos para bispos que atuarão em outros países da América Latina.

O movimento de Igreja Nacional representa, em suma, uma alternativa mais laica e socialmente engajada ao modelo de Igreja Católica Romana tradicional: “Igreja livre num Estado livre”, como era o lema da ICAB.

Legado, controvérsias e impacto

Dom Carlos morreu em 26 de março de 1961, no Rio de Janeiro. A ICAB sobreviveu à sua morte — embora com dissidências, divisões internas e desafios de reconhecimento — e até hoje reivindica centenas de milhares de membros no Brasil.
Alguns aspectos para refletir:

Controvérsia: Por mais que a ICAB alegue sucessão apostólica válida, muitos teólogos católicos romanos contestam a validade ou a licitude dessas ordenações.

Impacto social: O movimento que Dom Carlos ajudou a impulsionar antecipou a chamada “teologia da libertação” e o diálogo “Igreja e mundo social” que viria com força nos anos 60-70.

Nacionalismo e autonomia: O desafio de uma Igreja “nacional” ainda hoje ecoa no Brasil — como manter fidelidade à tradição cristã universal e, ao mesmo tempo, responder às realidades locais de desigualdade, cultura, poder.

Conclusão

Sem floreios: Dom Carlos Duarte Costa foi um bispo que cansou da estrutura romana rígida, e que tentou virar a mesa. Abandonou o conforto da submissão e criou um novo caminho — que chamamos de Igreja Nacional — buscando uma Igreja no Brasil dos brasileiros, com clero talvez casado, foco nos pobres, participação maior dos leigos, e menos dependência de Roma.
Apesar de não termos o “documento original” de 1936 com todas as suas propostas, o conjunto de evidências deixa claro que ele operou como agente de reforma radical — e que a ICAB foi o laboratório prático desse pensamento.

Dom Lucas Macieira da Silva
Arcebispo, teólogo, jornalista social.

Redação Geral Gazzeta Paulista
Redação Geral Gazzeta Paulistahttps://gazzetapaulista.com.br/
A GAZZETA PAULISTA, fundada em 2010, é o principal portal de notícias diárias da região, trazendo informação com credibilidade, agilidade e compromisso com a verdade. Atuamos na cobertura de acontecimentos das cidades de Taboão da Serra, Embu das Artes, Itapecerica da Serra, São Lourenço da Serra, Juquitiba, Embu-Guaçu, São Paulo e diversas outras localidades.Com uma equipe dedicada de jornalistas e colaboradores, levamos ao público notícias atualizadas sobre política, economia, cultura, esportes, segurança, entretenimento e tudo o que impacta a vida dos cidadãos. Nosso compromisso é manter a população informada com conteúdos relevantes e imparciais, contribuindo para uma sociedade mais bem informada e consciente.
Artigos Relacioanados

Anúncio

Ad
Ad
Ad

Mais Lidos