Quanto gostaria que esta história que vou narrar seja um pesadelo ou uma fantasia trágica produto da minha mente…
A noite toda tinha passado pensando no dia seguinte que era a Audiência com a juíza. Sabia que o meu testemunho era o de maior importância para condenar aos dois policiais militares que mataram covardemente ao meu filho caçula Marco Aurélio no fatídico dia 20/11/24, mas o único que passava na minha cabeça era ter a oportunidade pela primeira vez de ter em frente de mim a esses covardes para agir como qualquer pai ferido de morte na alma, faria no meu lugar. No dia, no horário marcado dentro do Fórum Criminal de Barra Funda, não tendo identificado nenhum deles antes de do início da audiência, me foi solicitado para ficar dentro de uma sala pequena destinada para as testemunhas da acusação. Minutos depois foi chamado e me dirigi a uma sala pequena que surpreendentemente estava lotado de pessoas. Apenas entrei gritei fortemente: Quem é o Guilherme Macedo? Ao me virar à direita, enxerguei no fundo da sala, meio escondidos e afastados, quase recolhidos por ser grandes, sentados próximos da juíza, separados de mim por várias pessoas sentados, dois soldados fardados e com boinas, que achei deviam ser Guilherme Augusto Macedo e Bruno Carvalho do Prado. Imediatamente parti em direção a eles, mas subitamente várias pessoas se levantaram e impediram meu avanço, houve uma confusão e gritaria e meus próprios advogados me levaram para fora da sala. No amplo corredor de fora da sala, me foi explicado e entendi que o meu testemunho corria risco de ser suspenso. Refleti e tomei um ar durante alguns minutos e me esforcei param retornar à sala e me sentar numa mesa frente a juíza. Um ar raro e ruim dentro da sala percebi internamente. Na sala não cabia uma agulha, porque tinha quase uma dúzia de advogados, promotores, uma delegação do Consulado da República do Peru, a juíza, e finalmente esses dois policias militares, escorias humanas. Ainda apareceu outro soldado alto e de contextura forte que permaneceu em pé e armado o tempo tudo posicionado perto de mim. Alguma esperança de ouvir alguma uma frase de sentimento ou solidariedade pela perda irreparável do meu filho que agora já era de conhecimento nacional e internacional incluindo a Organização das Nações Unidas, proferida desde alguma autoridade, se esfumou quando o promotor Estefano, direta e friamente me jogou a primeira pergunta. Como pode se entender, é o promotor que deveria trabalhar pela justiça contra o crime hediondo que ceifou a vida do meu filho e arrasou toda a minha família, mas eu já tinha tido fortes diferenças com o mesmo promotor anteriormente e percebido sua atitude e má disposição ao desconsiderar informações e fatos novos demostrando a gravidade do crime dos soldados, como injuria, xenofobia, tortura, omissão de socorro, que na época ele decidiu não incluir no processo. Aproveitando a única pergunta dele, eu quis contar com voz alta, em pé, e com detalhes aquele pesadelo vivido naquela madrugada fatídica para demostrar a gravidade, covardia e cumplicidade de vários policias militares, bombeiros, e delegada da polícia civil que não mandou prender em fragrante aos assassinos. Incrível e pateticamente o promotor no meio do meu relato falou para a juíza para eu parar, que já era suficiente o meu depoimento sem me dar mais chance para documentar os fatos. Eu mesmo tive que pedir e insistir a juíza pra seguir com meu depoimento. Tinham me recomendado olhar de frente para a juíza, mas isso era quase impossível para mim naquela tarde. Estranhamente a juíza tinha diante dela, duas telas de computador separadas por um pequeno espaço no meio e eu não consegui enxergar bem o rosto dela, parecia que mexia com seu computador e duvidei se estava me ouvindo direto. Confesso que me senti incomodado e angustiado por que a maior parte do meu depoimento, ela, não estava olhando para mim. Tal vez deva ser assim sempre, eu não sou magistrado; nós médicos, a vida toda, sempre olhamos para o rosto do paciente em qualquer condição que afligisse ou ameaçasse a vida. Em 35 anos de carreira me dediquei a aliviar doenças e até salvar vidas de pessoas de toda classe social ou profissão inclusive policiais e magistrados trabalhando em ambulâncias, unidades de terapia intensiva, pronto socorros e unidades de choque. Cheguei a contar sobre quem foi Marco Aurélio, o carinhoso, esportista, artista e filho bem amado que era, mostrando os trabalhos científicos que no dia seguinte a morte, ele mesmo teria que apresentar em um Congresso Medico em Barueri. A pesar de ter somente 22 anos, este ano iria se graduar de médico e depois ele tinha decidido que seguiria a Especialidade de Neonatologia. Marco Aurélio queria pagar uma dívida com a vida e com Deus de poder salvar a vida dele ao nascer precocemente com 7 meses e 1,2 kg de peso, precisando ficar na Unidade de Terapia Intensiva de Neonatos por um mês. Na sequência passaram a palavra para o advogado da defesa dos policiais militares. Ele estava próximo de mim e tinha percebido um rosto de muita preocupação. As perguntas que ele me fez, surpreendentemente deu possibilidade de falar mais coisas boas do meu filho Marco Aurélio. Ao finalizar eu perguntei seu nome e se podia lhe disser uma coisa. Ele se identificou como o Dr. Joao e aceitou. Eu disse que soube através de um jornal, que após um dos soldados ter o pedido de prisão preventiva solicitada pelo Ministério Público e não ser decretada, ele afirmou que na sequência trabalharia para demostrar que o crime hediondo que vitimou meu filho, “estava dentro da legalidade” … segundo ele. Quando eu estava perguntando sobre se ele lembrava do juramento de ética de sua classe profissional, foi abruptamente cortado por várias pessoas causando um nova gritaria e confusão. De tempo em tempo olhava para a cara desses dois assassinos e observei que tinham um olhar desafiador e imutável, como se não estivessem presentes, como senada os importasse ou assustasse. Um olhar dissociado da realidade que pensei patológico. Nenhuma mínima expressão de arrependimento ou sentimento; era uma expressão de suficiência, que ainda dificultava o meu depoimento. Uma atitude provavelmente bem aprendida nas Academias da Polícia Militar. Eu pensava, como chegamos a este momento? Quase 8 meses desde a agressão e crime cobarde e ainda estivessem protegidos? Que mundo bizarro e este onde assassino são protegidos e as vítimas são tratados como suspeitos? Eu somente queria chegar perto deles …. Sai da minha reflexão quando a juíza perguntou ao Dr. Joao se tinha terminado. Ele falou que sim e me disseram que eu já estava dispensado. Eu fiquei surpreso porque só tinha falado uma parte do que precisava falar; nem sequer contei como foi no instante que meu filho morreu dentro do centro cirúrgico lutando pela sua vida…nem como nós, os pais, soubemos das imagens do hotel da verdade cru que tinha ocorrido. Foi convidado a sair…me acompanharam duas advogadas e no corredor me sentei numa banca a aguardar o resto de testemunhas. Comentei para elas a péssima sensação de trato das autoridades dentro da sala. Era como se fosse que se decidia uma discussão de um produto se pesava dois ou três quilos, ou deum pedaço de terreno em litigio, não do crime hediondo sobre a vida do meu filho. Fiquei pensando e esperei uma oportunidade mais de encarar esses dois assassinos. Muitas testemunhas declaravam entravando e saindo da sala. Em um momento estando sozinho na banca, ouvi barulho de pessoas caminhando rapidamente. Então surgiu a figura dos dois soldados altos da polícia militar e ao consegui reconhecer eles, a minha adrenalina se elevou no meu sangue ao máximo, pulei do banco para catar a eles. Para não atacar pelas costas ainda gritei alto e com fúria: Guilherme Macedo! Nesse instante senti por detrás outros policias que me sujeitavam, eram três grandes, fortes e armados. Vociferei gritando alto para Guilherme e Bruno: Assassinos, cobardes, malditos! Eles viraram rapidamente e aceleraram o passo como covardes que são…Covardes como foram para encurralar meu filho entre dois, com todas as armas possíveis e atacando de vez. Filhos da desgraça! Quantos outros jovens inocentes martirizados também por outros iguais a estes dois, protegidos pelo Estado de São Paulo através do sistema sincrônico de autoridades levando a uma tortura psicológica as pobres famílias. Vergonha para instituição, vergonha para nação grandiosa do Brasil. Saiu tudo o mundo da sala…os advogados tentaram me tranquilizar, mas como poderiam fazer isso? Eu era o pai e só queria ter eles assassinos na minha frente.
Não pode conter lagrimas de impotência porque me impediram encaram os assassinos do meu filho…Minutos depois a juíza ordenaria me expulsar do prédio…os assassinos ainda estariam soltos mais um tempo.
Materia de Dr. Prof: Julio C. Acosta Navarro
PhD Professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo