Com 100 milhões de pessoas em situação de rua e bilhões vivendo em condições inadequadas no mundo, o G20 Brasil coloca a crise habitacional no centro das discussões globais. O debate “Produção e gestão de dados sobre população em situação de rua” recebeu contribuições do Brasil, Estados Unidos, França e Canadá, que destacam a urgência de soluções para o cenário.
Cerca de 1.6 bilhões de pessoas vivem em condições inadequadas de habitação, sem acesso aos serviços sanitários básicos e enfrentando dificuldades para custear a própria moradia. Anualmente, cerca de 2 milhões de pessoas são forçadas a deixar suas casas. Até 2030, 3 bilhões, aproximadamente 40% da população mundial, necessitarão de acesso à habitação adequada. Estima-se que 100 milhões de pessoas no mundo estejam em situação de rua.
Os dados são da ONU-Habitat (Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos) e revelam um cenário dramático que entrou no raio de atenção do G20, devido ao aumento dos índices de pessoas sem moradia tanto nas economias desenvolvidas como nas em desenvolvimento, revelando como as múltiplas crises globais de segurança, políticas, econômicas, ecológicas e de saúde aprofundaram a crise das populações em situação de rua, que estão em abrigos temporários ou sem abrigo (homeless, em inglês) no mundo.
“A maioria dos países do mundo vive uma situação de policrise. Uma crise de habitação no meio das mudanças climáticas têm um enorme impacto sobre os sem moradia. É uma manifestação desta policrise mas, na verdade, está ao alcance da maioria dos países para resolver. Embora faltem estatísticas mundiais confiáveis, o problema dos sem moradia é uma preocupação global em todas as regiões do mundo”, pontuou Balakrishnan Rajagopal, relator especial da ONU para os Direitos e a Habitação Adequada.
“A maioria dos países do mundo vive uma situação de policrise. Uma crise de habitação no meio das mudanças climáticas têm um enorme impacto sobre os sem moradia. É uma manifestação desta policrise mas, na verdade, está ao alcance da maioria dos países para resolver. Embora faltem estatísticas mundiais confiáveis, o problema dos sem moradia é uma preocupação global em todas as regiões do mundo”, pontuou Balakrishnan Rajagopal, relator especial da ONU para os Direitos e a Habitação Adequada.
De acordo com Rajagopal, a questão das pessoas sem moradia é uma violação grave dos direitos humanos, que superam a falta de moradia adequada e incluem o não acesso à água, ao saneamento, à educação, à privacidade e a noção de viver com dignidade, especialmente para as crianças e idosos; pessoas de minorias étnico-raciais, como indígenas; e outros grupos em vulnerabilidade social mais acentuada.
“As sérias preocupações relativas ao racismo e outras formas estruturais de discriminação têm de ser reconhecidas e tratadas. O fracasso das autoridades públicas em prevenir e resolver o problema é uma falha do Estado em defender os elementos mais essenciais do direito a uma habitação adequada, e outros direitos humanos fundamentais, que todos deveriam desfrutar sem qualquer discriminação”, asserverou o relator.
Em atenção para os números crescentes de pessoas em situação de rua ou sem abrigo e seus impactos para o alcance das metas globais de desenvolvimento, o G20 Brasil promoveu o debate “Produção e gestão de dados sobre população em situação de rua”, que reuniu especialistas e representantes dos governos para debater soluções para o contexto, de acordo com as realidades dos países-membros. É primeira vez que o tema figura entre as prioridades do fórum e foi coordenado pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) brasileiro.
O que é moradia adequada?
Rayne Ferretti, oficial para o Brasil na ONU-Habitat, explica que o conceito de moradia adequada possui critérios como a possibilidade de adquirir uma casa, a disponibilidade de serviços básicos, materiais e infraestrutura; ser financeiramente acessível; e estar culturalmente adequada. “É muito mais do que habitação, mas um requisito, uma pré-condição para que essa pessoa tenha outros direitos humanos como o de participar na economia, o direito à cidade, o direito à saúde”, explicou.
Ferretti ressalta ainda que é importante considerar as diferentes definições para pessoas em situação de rua, tanto a que que inclui quem dorme nas vias públicas e aquelas que indicam a necessidade de que possuam um alojamento permanente ou temporário ou de partilha indesejada, mas necessária, neste espaço. Em qualquer que seja o entendimento, ela pontua que é uma situação frequentemente ligada à pobreza e ao aumento das desigualdades.
“A falta de acesso a uma habitação adequada, a violência de gênero e doméstica, o abuso de substâncias, a discriminação, a falta de emprego digno, os elevados custos de energia, os cuidados de saúde, a especulação imobiliária desenfreada, um mercado com um poder muito forte, acesso limitado a uma educação de qualidade e deficiência no sistema de saúde mental e nos sistemas de proteção social”, elencou Ferretti como cenários que levam as pessoas a perderem suas casas.
Um censo para a população de rua
Marta Antunes, coordenadora do grupo de trabalho em Povos e Comunidades Tradicionais do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), destacou os esforços para desenvolver uma metodologia voltada ao censo da população em situação de rua do Brasil. Ela ressaltou que o Instituto atua em parceria com outras entidades para superar as diferenças metodológicas e conceituais, que são desafios para elaboração de uma estimativa nacional sobre esse grupo.
Antunes também indicou que o IBGE já apresentou os pilares metodológicos para a coleta de informações sobre as pessoas sem moradia no país, que incluem adaptação da cartografia, o desenvolvimento de questionários específicos e a necessidade de uma estrutura operacional diferenciada. Marta ressaltou ainda a importância das parcerias entre o órgão de estatística, prefeituras e governos locais, fundamentais para a realização do censo.
Esforço estatístico
Jeff Randall, gerente de projetos de Necessidade de Habitação no Statistics Canada, autoridade de estatísticas do país-membro do G20, apresentou as políticas públicas em implementação no país que reúnem os entes federativos e as comunidades locais, em busca de melhorar a situação das pessoas enfrentam os riscos de estar sem moradia e garantir direitos.
Um exemplo, é um programa que fornece financiamento a comunidades urbanas, indígenas, rurais e em áreas remotas para ajudá-las a acessar serviços locais destinados às pessoas sem abrigo que, nos últimos anos, reduziu em 50% o número de pessoas que experimentaram a falta de habitação por pelo menos um ano ou repetidamente. Randall salienta ainda a importância da produção de dados estatísticos específicos e de garantir alta taxa de resposta aos questionários para identificar essas populações e subsidiar ações dos Estados para o acesso a serviços específicos.
Eliminação das desigualdades
Jeff Oliver, do Conselho Interagências dos Estados Unidos sobre Sem-Abrigo (USICH), órgão do governo norte-americano responsável pela agenda, reconhece que no país a situação é de “vida ou morte”. “Dezenas de milhares de pessoas morrem todos os anos devido às perigosas condições de vida sem casa. E a esperança de vida das pessoas sem casa é cerca de 20 anos inferior à das populações alojadas”, revelou.
“Os negros americanos representam cerca de 13% da população total, mas 37% da população sem-teto. Os indígenas americanos e os nativos do Alasca estão ainda mais desproporcionalmente representados e a falta de moradia dos latinos está em uma escala muito grande. Outras populações também são desproporcionalmente afetadas pelos sem-abrigo, nomeadamente com base no sexo, orientação sexual, identidade de género e deficiência”, descreveu Oliver
A solução encontrada pelo país, destacou Oliver, é uma estratégia plurianual para evitar a ocorrência de situações de sem abrigo e resolver o problema rapidamente, caso ocorra. O plano engloba seis etapas: eliminar as desigualdades raciais, com foco nas necessidades da população LGBTQIAP+, sobrerepresentada entre as pessoas sem moradia; produção de dados para subsidiar políticas públicas; e colaboração entre os governos, organizações do terceiro setor e o mercado de negócios.
Inclusão para conhecer as realidades
Thomas Lellouch, diretor do Projeto de Estatísticas da Grande Pobreza do Insee (Instituto Nacional de Estatística e Estudos Econômicos), da França, enfatizou a importância de dados precisos para compreender e abordar o problema das pessoas sem moradia. Ele destacou que uma parte significativa desta população continua sub-representada nas estatísticas francesas devido aos desafios de coleta de informações, devido às condições precárias de habitação.
Lellouch, observou que as pesquisas domiciliares tradicionais ainda excluem as pessoas em situação de rua ou sem moradia, resultando numa lacuna na compreensão das experiências e necessidades deste grupo. Frente a esse desafio, a França preparou uma base de dados de organizações sociais que acolhem as pessoas em situação de rua, quando sofrem violência ou têm seus direitos violados, para construir uma amostra e montar um mapa da situação no país.
“O grande problema é que você não tem um banco de dados de moradores de rua, você não pode desenhar uma amostra representativa de moradores de rua que você vai entrevistar e isso será representativo e você poderá obter dados para descrever a população”, explicou Lellouch.
Matéria envida pela assessoria de Comunicação do G20 no Brasil