Discurso lido pelo presidente Lula na sessão de abertura do Urban 20, no Rio de Janeiro, em 17 de novembro de 2024
É fundamental que este encontro ocorra às vésperas da Cúpula de Líderes do G20.
Há milênios, os assentamentos urbanos atraem as esperanças de milhões de pessoas.
Seus mercados e comércios são pontos de contato entre sociedades muitas vezes distantes.
De suas universidades e bibliotecas, vieram grandes inovações.
Em suas ruas e praças, ideias se tornam realidade.
Os municípios são catalizadores de mudanças profundas.
Mais da metade da população mundial vive em cidades, que geram 80% do PIB global.
Algumas megalópoles como Nova York, Santiago, Paris e Rio de Janeiro produzem mais riquezas do que muitos países inteiros.
Ao mesmo tempo, vilarejos empobrecidos lutam contra o êxodo de jovens para se manterem vivos e viáveis financeiramente.
Nas cidades os adjetivos costumam ser superlativos. E os contrastes também.
Isso é particularmente verdadeiro na América Latina, que, segundo o PNUD, é o continente mais desigual do mundo e experimentou uma das urbanizações mais aceleradas da História.
A imensa riqueza gerada nas megalópoles não chega ao bolso dos trabalhadores que as habitam. O conhecimento criado muitas vezes não alcança suas crianças.
Os três eixos prioritários escolhidos pela presidência brasileira do G20 dialogam diretamente com os desafios que milhares de prefeitos de todo o planeta enfrentam no cotidiano de suas cidades.
O combate às desigualdades, à fome e à pobreza é essencial para a implementação do Objetivo do Desenvolvimento Sustentável 11 sobre cidades inclusivas, seguras, resilientes e sustentáveis.
Em sociedades cada vez mais desiguais, o lugar onde uma pessoa mora é determinante no seu acesso à educação, à saúde, ao trabalho e à segurança pública.
Deste Armazém da Utopia vemos o Morro da Providência, a favela mais antiga do Brasil.
Estamos, também, a apenas dez quilômetros da favela da Maré, berço da vereadora Marielle Franco, barbaramente assassinada por sua luta pelo direito à cidade e pelos direitos humanos – a quem rendo a minha homenagem.
Um quarto dos habitantes do planeta vive em assentamentos precários.
No Brasil, as mulheres negras são maioria nesses territórios.
Seus filhos são as maiores vítimas da desigualdade e da violência urbana, que todos os anos cobra um número de vidas semelhante aos das guerras mais violentas.
Por essa razão, tenho defendido um novo pacto federativo, com o envolvimento de todos os Poderes, para colocar a segurança pública como prioridade nacional e manter nossa juventude viva.
Também estamos implementando uma nova etapa do nosso maior programa habitacional, o Minha Casa, Minha Vida, que articula modalidades inovadoras de incentivos a um mercado habitacional mais sustentável.
A luta de Marielle por uma cidade mais inclusiva, uma educação pública transformadora, e pelo acesso a todos a um serviço publico de qualidade é imperativa para criar cidades sustentáveis e que atendam às necessidades de todos.
O planejamento urbano também terá um papel crucial na transição ecológica e no enfrentamento à mudança do clima – segunda prioridade do nosso G20.
As cidades são responsáveis por 70% das emissões de gases de efeito de estufa e 75% do consumo global de energia.
Esses mesmos centros urbanos estão desproporcionalmente expostos às consequências das mudanças climáticas, à subida do nível dos oceanos, às ondas de calor, à insegurança hídrica e a enchentes avassaladoras, como as que vimos recentemente no Sul do Brasil, na Colômbia e na Espanha.
A ação climática pode servir como ferramenta para uma agenda urbana mais ampla de inclusão e justiça social.
A transição ecológica é uma oportunidade valiosa de gerar emprego e renda para a juventude nos grandes centros urbanos.
As cidades não podem custear sozinhas a transformação urbana.
Elas não podem ser negligenciadas nos novos mecanismos de financiamento da transição climática.
Infelizmente, os governos esbarram em uma enorme lacuna de financiamento no Sul Global.
Apenas uma parcela dos recursos necessários chega aos países em desenvolvimento e uma parte ainda menor alcança nossas metrópoles.
Existe um déficit no financiamento urbano, que não consegue acompanhar o ritmo da urbanização desordenada em muitas partes do mundo, como a África, a Ásia e a América Latina.
Por isso, a terceira prioridade da presidência brasileira do G20 é a reforma da governança global, inclusive de sua arquitetura financeira e dos Bancos Multilaterais de Desenvolvimento.
Não será possível construir uma Nova Agenda Urbana sem investimento e sem governança multilateral adequada.
Temos muito orgulho de ter a brasileira Anacláudia Rossbach à frente do ONU-Habitat. Sua liderança será central para apoiar governos nacionais e locais a enfrentar a crise urbana, com base em políticas públicas sólidas e amparadas na ciência. Bem vinda companheira Ana e boa sorte para você.
Falar em reforma da governança também implica em repudiar a destruição das guerras.
A Faixa de Gaza, um dos mais antigos assentamentos urbanos da humanidade (4000 A.C), teve dois terços de seu território destruídos por bombardeios indiscriminados. 80% de suas instalações de saúde já não existem mais.
Sob seus escombros jazem mais de 40 mil vidas ceifadas.
Não haverá paz nas cidades se não houver paz no mundo.
Minhas amigas e meus amigos,
As cidades concentram desafios, mas nelas também encontramos as soluções que buscamos.
Elas são o lar dos agentes da mudança que almejamos realizar.
A presença de tantas prefeitas e prefeitos aqui hoje é prova de que os governos locais querem e podem fazer sua parte.
O C-40, que hoje já conta com quase 100 cidades afiliadas, está empenhado em enfrentar a crise climática e contribuir para limitar o aquecimento global a um grau e meio e, ao mesmo tempo, construir comunidades saudáveis, equitativas e resilientes.
No Brasil temos mais de cinco mil municípios. Todos os anos, essas lideranças locais vão a Brasília, na Marcha Nacional dos Prefeitos, fazer suas reinvindicações.
É preciso escutar a voz das cidades e eu estou confiante de que os trabalhos desta reunião do U20 serão muito produtivos.
Como diz o compositor Hilton Acioli: “Uma cidade parece pequena se comparada a um país, mas é na minha, e na sua cidade, que se começa a ser feliz”.
Muito obrigado.
(*) Cotejar com versão oral.