sábado, 27 julho, 2024

Discurso na sessão de encerramento da 46ª Conferência da Comunidade do Caribe

Íntegra do discurso lido na sessão de encerramento da 46ª Conferência de Chefes de Governo da Comunidade do Caribe (CARICOM), realizada em Georgetown (Guiana), no dia 28 de fevereiro de 2024

Eu quero dizer, minhas amigas e meus amigos, a alegria estar novamente entre os companheiros e companheiras da CARICOM. Em 2005, tive a honra de participar de uma Cúpula como esta, no Suriname. Foi a primeira vez que um chefe de Estado brasileiro se dirigiu aos líderes da CARICOM. Em 2010, fui anfitrião da primeira Cúpula Brasil-CARICOM.

Dela resultou nossa associação ao Banco de Desenvolvimento do Caribe, além de diversas iniciativas de cooperação técnica. Apesar dessa aproximação, não logramos consolidar uma agenda consistente com a região. Sabemos que a CARICOM espera muito mais do Brasil.

Sabemos dos principais problemas que atingem a região: a insegurança alimentar, que – segundo o Programa Mundial de Alimentos – ameaça metade da população caribenha; e a mudança do clima, que coloca em risco todo o planeta, sobretudo os países insulares.

Quero ressaltar que esses dois problemas estão no centro dos debates travados pelo Brasil nos fóruns internacionais. Quero ressaltar também que esses dois problemas têm a mesma raiz: a desigualdade. Portanto, a luta do contra a desigualdade no mundo é também a luta das populações caribenhas.

Não é possível que num planeta que produz comida suficiente para alimentar toda a população mundial, cerca de 735 milhões de seres humanos não tenham o que comer.

Não é possível que os países ricos, principais responsáveis pela crise climática, continuem descumprindo o compromisso de destinar US$ 100 bilhões de dólares anuais aos países em desenvolvimento, para o enfrentamento da mudança do clima. Não é possível que o mundo gaste por ano US$ 2 trilhões e 200 bilhões de dólares em armas.

Guerras provocam destruição, sofrimento e mortes, sobretudo de civis inocentes. O Brasil seguirá lutando pela paz mundial. Uma guerra na distante Ucrânia afeta todo o planeta, porque encarece os preços dos alimentos e dos fertilizantes.

Um genocídio na Faixa de Gaza afeta toda a humanidade, porque questiona o nosso próprio senso de humanidade. E confirma uma vez mais a opção preferencial pelos gastos militares, em vez de investimentos no combate à fome na Palestina, na África, na América do Sul ou no Caribe.

Minhas companheiras e meus companheiros, ouvi da primeira-ministra Mia Motley que Barbados tem 27 voos semanais para o Reino Unido e para os Estados Unidos e nenhum para o Brasil.

Portanto, nosso maior obstáculo é a falta de conexões, seja por terra, por mar ou pelo ar. Uma das rotas de integração e desenvolvimento prioritárias para meu governo é a do Escudo Guianense, que abrange a Guiana, o Suriname e a Venezuela.

Queremos, literalmente, pavimentar nosso caminho até o Caribe. Abriremos corredores capazes de suprir as demandas de abastecimento e fortalecer a segurança alimentar da região.

É importante lembrar, Sr presidente, que viajaram comigo meus ministros de integração, de portos e aeroportos, transportes e planejamento. Eles estão prontos para aprofundar a agenda de integração com a Guiana, o Suriname e oss outros países do Caribe.

O Brasil pode oferecer gêneros alimentícios a preços competitivos. Mas também pode contribuir para ampliar a produtividade agrícola local.

Por isso quero convidar os países da CARICOM a se somarem à Aliança Global de Combate à Fome e à Pobreza que será lançada pela presidência brasileira do G20.

Queremos promover políticas públicas e mobilizar recursos para essa causa.

Meus amigos e minhas amigas, a criação do fundo de perdas e danos, na COP de Dubai, foi uma conquista histórica. Mas a luta não terminará enquanto não houver mais fundos para adaptação e para o cumprimento da Agenda 2030 como um todo.

Como anfitrião da COP30, o Brasil quer trabalhar com os Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento (SIDS). O IPCC é categórico sobre a urgência de limitar o aumento na temperatura global a um grau e meio.

Precisamos unir forças para avançar em nossa “Missão 1.5”, acelerando a implementação dos compromissos já assumidos e adotando metas mais ambiciosas em 2025. 

Com a Guiana e o Suriname, que também são países membros da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), queremos convidar outros países da CARICOM a seguirem São Vicente e Granadinas e se somarem à Declaração “Unidos por nossas Florestas”.

Os serviços que as florestas prestam ao mundo precisam ser valorizados. O Caribe é vulnerável a eventos extremos, que também se tornaram mais frequentes no Brasil.

Tenho a satisfação de anunciar que, por decisão conjunta, o Brasil e a CARICOM decidiram fortalecer a gestão integrada de riscos de desastres, por meio do “Mecanismo de Resposta Regional” da Agência Caribenha de Gerenciamento de Emergências em Desastres.

Amigas e amigos, Brasil e CARICOM estão lado a lado também na defesa de uma governança global mais justa.

Não é mera coincidência que, nas votações da Assembleia Geral da ONU, a convergência entre nós chegue a 80%. Também compartilhamos do diagnóstico da Iniciativa de Bridgetown.

Muitas de suas propostas são bandeiras que o Brasil erguerá na presidência do G20. Refiro-me, em especial, ao pleito pela ampliação dos recursos disponíveis a países em desenvolvimento.

Até o final deste ano, faremos um aporte ao fundo concessional do Banco de Desenvolvimento do Caribe. Países caribenhos sofrem com altos níveis de endividamento e têm condições menos favoráveis de renegociação por terem ascendido à condição de países de renda média.

Guiana, Haiti, Suriname e Trinidad e Tobago são membros da cadeira do Brasil na diretoria executiva do FMI. Todos nos beneficiaríamos da reforma das instituições de Bretton Woods, para torná-las mais representativas.

A arquitetura financeira internacional não dispõe de ferramentas adequadas para responder às demandas de desenvolvimento sustentável e enfrentamento à mudança do clima. No Haiti, precisamos agir com rapidez para aliviar o sofrimento de uma população dilacerada pela tragédia.

Infelizmente, a comunidade internacional não deu ouvidos quando o Brasil alertou que o esforço de estabilização só seria sustentável com apoio maciço ao desenvolvimento e ao fortalecimento institucional do país. Hoje, o Haiti – primeira nação independente do Caribe e primeiro país a abolir a escravidão no hemisfério ocidental – se vê novamente imerso numa espiral de insegurança e instabilidade.

Escutar a voz da região é portanto imprescindível. São de suma importância o engajamento caribenho na Missão Multinacional da ONU e o empenho do Grupo de Personalidades Eminentes da CARICOM na mediação entre as forças políticas haitianas. A crise securitária só se resolverá com avanço no processo político.

Temos uma ligação especial com o Haiti, materializada pelos cerca de 200 mil haitianos que vivem no Brasil. Estamos oferecendo treinamento à Polícia Nacional Haitiana e vamos inaugurar um centro de formação profissional para jovens haitianos no sul do país, no valor de 17 milhões de dólares.

Com mais de cinquenta anos, a CARICOM é um dos mais antigos blocos de integração do mundo em desenvolvimento.

O PIB combinado de seus quinze membros é de 120 bilhões de dólares, maior do que o de alguns países sul-americanos. Sua população de 19 milhões de pessoas é um ativo muito valioso.

O Brasil voltou a olhar para seu entorno, ciente de que somente juntos lograremos uma inserção internacional robusta.

A CARICOM abriu-se para o Sul, rejeitando a condição de zona de influência de potências alheias à região. Temos o desafio de manter nossa autonomia em meio a rivalidades geopolíticas.

Cabe a nós manter a região como zona de paz. Abrigamos sociedades multiétnicas, entrelaçadas por culturas vibrantes.

Mas também carregamos o trauma da maior migração forçada da História. O Brasil e o Caribe foram os grandes destinos do tráfico humano.

Como parte da diáspora africana, compartilhamos da responsabilidade de resgatar e preservar a memória dos flagelos do colonialismo e da escravidão. Nossa relação pode ir muito além do intercâmbio de boas práticas e de atividades de capacitação.

Vemos no bloco um parceiro econômico promissor e um interlocutor político estratégico. O Brasil já é o quinto maior fornecedor da CARICOM.

Nossa corrente de comércio foi de US$ 2,7 bilhões de dólares no ano passado, mas já havia superado US$ 5 bilhões em 2008, o que demonstra seu potencial de crescimento. A Agência Brasileira de Promoção de Exportações identificou mais de mil oportunidades de inserção de produtos brasileiros nos países da Comunidade.

Ocorre que bens e serviços não circulam onde não há vias abertas. Belém, Boa Vista e Manaus estão mais próximas de capitais do Caribe do que de outras grandes cidades brasileiras.

Meus amigos e minhas amigas, na Cúpula de 2010, falei da nossa vocação – do Brasil e do Caribe – de “aproximar para unir e unir para mudar”. Essa mensagem segue atual e relevante.

Em meus mandatos anteriores, chegamos a ter embaixadas residentes em todos os países da CARICOM. Queremos restabelecer nossa presença diplomática em todos os paises da CARICOM. Estamos reabrindo nossa missão junto a São Vicente e Granadinas.

Vamos retomar nosso mecanismo de consultas políticas para aprofundar nosso diálogo e formular agenda substantiva para uma segunda Cúpula Brasil-CARICOM.

O escritor caribenho Naipaul , prêmio Nobel de literatura, disse que “Muitas pessoas estão confinadas no nicho que esculpem para si mesmas e se limitam a poucas possibilidades pela estreiteza de sua visão”. Por isso quero convidá-los para, juntos, expandir nossa visão e conquistar um lugar maior no mundo.

A CARICOM é parceiro fundamental do Brasil e parte indispensável da CELAC, sem a qual o projeto de integração regional permanecerá inacabado.

Muito obrigado.

Matéria envida pela assessoria da Presindencia da Republica em Cúpula Brasil-CARICOM

Lula participa da Conferência de Chefes de Governo da Comunidade do Caribe, na Guiana
Isaias Dutra
Isaias Dutra
Jornalista Isaias Dutra e editor Chefe do Gazzeta Paulista
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